terça-feira, 3 de maio de 2011

a experiência do ator Plinio Soares, "um café por uma confidência"



"Hoje, ao abrir os olhos, pensei: é o dia da tal consígnia, será que eu vou conseguir?!!?!? Um incômodo e uma ansiedade me acompanharam a manhã inteira, tinha no fundo de mim uma esperançazinha que o Marcio ligasse dizendo que não ia poder, adiar sei lá! - ao mesmo tempo que tinha isso, fazia tudo rápido pra chegar logo e ver o que ia acontecer.

Às 13h00 o Márcio chegou, aí eu pensei: agora não tem mais jeito, vamos nessa. Almoçamos juntos, combinamos que ele prepararia o cartaz no computer e eu faria o café.

Cartaz pronto e agora o café, que ficou muito bom, até precisar colocar mais açúcar. Lá fomos nós - o aperto em mim não diminuía, estacionamos o carro e eu fiquei com a placa na mão e o Márcio com o café na sacola. Fomos até a estação Barra Funda - as meninas - Priscila e Dinah, as outras atrizes - já tinham ido lá pela manhã, achamos que não teria problema da gente ir à tarde, dado o volume de gente que passa por lá, embora seja menor que o Terminal Tietê.

Eu fui subindo a rampa com a placa à mostra, encarando as pessoas, percebendo reações, e junto disso fui ligando um "foda-se, já to aqui e não aconteceu nada", vai rolar!!! Era um descompromisso tal que se ainda havia tensão agora era mais ansiedade de poder contribuir da melhor maneira possível. Sim, isso começou às 15h30 (pensei comigo: mais 40 minutos e acabou; acho que isso foi me relaxando).

Procuramos um lugar com maior fluxo de gente e eu sentei com a placa - o Márcio perguntou se eu queria ficar, eu respondi: "já tô!"

O primeiro lugar não era tão bom, o Márcio foi até outro corredor e disse que era melhor e fomos prá lá.

Que louca é nossa cidade! As pessoas voam, não existe espaço dentro delas pra respirar. As pessoas liam a placa, às vezes com incredulidade, às vezes era só uma placa na paisagem, sem importância. Poucas ao lerem reprovavam a atitude. Uns liam, andavam, olhavam pra trás...; se por acaso meu olhar cruzava era imediatamente retomado o caminho. Esses olhares ficaram muito marcados em mim, que ao mesmo tempo os via sumir e mantinha meu imã pra ver se voltavam - isso não rolou! E o Márcio de longe, dando a infra, me fazendo confiante no que eu tava fazendo. Comecei a fazer uma energização em mim pra ver se eu magnetizava alguém, sem sucesso. Pô! Ninguém... Era como se fosse uma paquera: eu olhava fundo e acompanhava as pessoas pra ver se vinham falar comigo.

Passava meia hora e nada. Foi quando sugiram duas moças. Uma delas parou, "iluminada", "pra fora", com esmaltes azuis cintilantes, e veio perguntar o que que era. Eu falei que era um trabalho de pesquisa. "Eu tenho que fazer uma confidência pra tomar um café?", ela perguntou, e eu respondi: se você quiser. Servi o café, e ela: "se eu tiver que contar confidência vou ficar aqui conversando muito... " E eu: "você que sabe..."

Silêncio dela, enquanto tomava o café... "Eu tô super apaixonada e vou fazer macumba pra ficar com ele... " E eu: "que legal!"E ela, indignada: "legal? ... Nem a minha amiga sabe disso (a outra que estava vindo com ela sumiu), eu já ficquei com ele, foi o meu primeiro, mas ele é casado..."

Nisso chega uma criança e diz que quer tomar café. O pai, imediatamente: não! Mas a garota insistiu, o pai "ta bom!", eu servi. O pai cuida de filha: "tá quente... eu tenho que fazer um confidência? E eu: "se você quiser". "Mas eu não tenho nada pra dizer..." (A moça das unhas azuis sumiu, não a vi indo embora) O pai fala pra menina: "fala o que aconteceu ontem, aquilo que você contou pra mim". A menina coxixou no ouvido dele e falou algo pra mim que eu não entendi. O pai: "fala pra ele o que aconteceu ontem". E ela: "foi meu aniversário..." E eu: "parabéns!, quantos anos?" E ela mostra nos dedos: 4! O pai: "diz o que você aprendeu ontem". Ela, então, faz dois riscos no ar e diz "X". E eu: "olha só, você sabe escrever!". O pai: "fala como é seu nome". E ela fez um L na parede e disse que era Lívia. E eu: "que nome lindo!". O pai, com a camiseta do São Paulo, agradeceu, me cumprimentou e foram embora.

Em seguida o Márcio chegou até mim e disse que já tinha passado a hora do programa, os quarenta minutos. Foi tão rápido que eu nem percebi... e aí, voltamos andando no meio da multidão com a placa. Eu falei: "Márcio, fotografa!!!"E eu andando pé ante pé e me virando pras pessoas lerem. Mas ninguém parou, embora dessa vez as pessoas mais acintosamente liam a placa, andavam um pouco, conferiam o que estava escrito e iam embora. Chegamos ao carro; tinha um homeless tomando conta. E eu falei pro Márcio: "dá café pra ele! Quer tomar um café? Mas eu vou também te dar um trocado, não quer um café?" E ele, o homeless, disse: "Não, obrigado; acabei de tomar um suco, só tô tomando gelado". Entramos no carro e voltamos pra casa.

COMO O PAULISTA É ENCASTELADO!!! Sérá que em Curitiba seria diferente? As pessoas teriam mais disponibilidade pra falar? Essas questões calaram fundo em nossas cabeças."

escrito e relatado por Plinio Soares

2 comentários:

  1. somos também paulistas, estou aqui pensando...!

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  2. Eu não sou paulista, mas moro em São Paulo. Será que existe diferença? Ou se moramos aqui, ficamos assim também?

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