A garrafa Alladin é negra, com trava, dosadora. E cabe bastante café. A única questão que a torna imperfeita no mundo das utilidades domésticas é sua insistência em deixar mais uma gota descer depois da dosagem em cada copo, xícara, depois de cada desejo humano já realizado. As gotas escorrem pelas laterais da garrafa térmica, causando um efeito de brilho e ofuscamento nos caminhos escorridos de café.
Uma folha branca sulfite escrito “Um café por uma confidência”, sem ponto, sobre papelão Kraft. O convite começa na passarela subindo para o terminal Barra Funda, e esta placa se apresenta a quem cruza com ela como algo inusitado. Mas nem nós que seguramos a placa e nem quem a vê diminui o ritmo da caminhada.
Chão de borracha, banco de concreto, entre as escadas de plataformas de trem e de ônibus, a placa permanece empunhada com delicadeza e dignidade por alguém sentado. Aquilo que era uma impressão do ritmo sem freio continua: as pessoas passam, algo mexe dentro delas, mas apenas dentro: o corpo continua na pressa. O movimento aos olhos de quem observa identifica três pontos: um primeiro, de encontro com inusitado recado; um segundo, de reafirmar a mente se é aquilo mesmo que teve a impressão de ver e está vendo; um terceiro, já ultrapassado o perímetro que seus olhos alcançam, forçando o tronco torcer para trás: ver se era mesmo verdade tudo aquilo.
Uma senhora, já de idade, almoça sentada ao lado. Olha mas não age. A paciência dela é maior que a nossa. A curiosidade dela não ultrapassava limites ao ponto de perguntar ou se relacionar. E ela ficou por lá até depois de irmos embora. Mas o nosso relato ainda não acabou: voltemos por instantes à antes.
Quem pára, ao fim do tempo, é quem não tem nada mais a fazer senão esperar. É alguém que precisa ocupar o tempo enquanto alguém está numa fila: a fila do caixa eletrônico Santander. Uma moça espera a amiga retirar dinheiro, e enquanto isso conversa e toma o café. Unhas. A menina criança espera o rapaz sacar o dinheiro, e então pede ao pai para pedir o café. Um x é desenhado no ar. A conversa acontece. Confissões agem no espaço tempo do terminal Barra Funda. Um senhor, que passou na medida de álcool que a paciência de seu sangue que corre em suas veias suporta, se aproxima, mas nada além de algumas palavras trocadas, olhos serrados.
Fim de papo, fim de turno. A placa com as palavras volta empenhada até a saída com a mesma dignidade da chegada. Ao fim, oferecemos um café ao guardador de carros, que recusa, preferindo suco.
O registro concreto, que hoje ainda permanece sem dúvida de existência, é o pingo manchado por sobre as letras. Um pequeno pingo, de uma garrafa que costuma manchar bastante. Duas vezes a garrafa foi pressionada para deixar o líquido sair, duas intensas e rápidas vezes. Mas só uma gota permaneceu para servir aos olhares desejosos de ação de que realmente aquela garrafa foi aberta.
oi!
ResponderExcluirjá deixei um cometário aqui, mas acho que sumiu.
Gostaria de saber se vocês dão curso de teatro em São Paulo. sou da cidade.
abraos!!