terça-feira, 26 de abril de 2011

antes tarde do que nunca!

dia 13/03 às 13h13

Ela estava parada
encostada na parede.
Sua pele reluzia
seus olhos coloridos
sua boca pintada
seus cabelos espalhados.
Os olhos de quem a olha,
observa e se aproxima lentamente,
mas com vigor de quem quer saber algo,
quer ouvir que som que som aquele corpo
aquela boca e olhos emitem.
A proximidade é cada vez maior
mais intensa,
maior a proximidade
maior a ansiedade de quem se aproxima,
ela não, ela está e
estando fica.
Ponto.
Estão lado a lado
na quina
numa estreita esquina
coladas a parede
corpos lado a lado,
olhares no horizonte
nos corpos e imagens transeuntes.
A pergunta
A indagação
Ela deve vir
Ela tem de sair
...
Ela sai
A pergunta sai da boca não tão vermelha por fora
mas vermelha de vontade por dentro
vermelha de calor
de curiosidade.
Após a pronuncia
o silêncio caótico
o silêncio dos corpos juntos
e tão distantes
e então a resposta
- a confiança não acaba mas se renova
- as pessoas merecem uma segunda chance
- a confiança pode ser modificada
O corpo que indaga se despede
O corpo que responde fica pausado no espaço
A partida acontece e em cada um
fica um pedaço do outro
será, aqui
por aqui
ficou.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

A arte de pernoitar bem longe de sua casa

São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 2011


A arte de pernoitar bem longe de sua casa

Por PENELOPE GREEN

Kenya Robinson é uma artista autodidata de 33 anos cujo trabalho combina estereótipos de gênero e raça em peças que envolvem coisas como pentes de plástico derretidos, cabelo louro sintético e revistas femininas.
Em janeiro, ela decidiu se tornar nômade por algum tempo e chamar isso de arte. Durante três semanas, Robinson se ofereceu como hóspede (incluindo dez horas de trabalho doméstico, mas a anfitriã devia fornecer pasta de dentes) para qualquer pessoa que a aceitasse. Sua proposta foi enviada por e-mail para colegas do mundo da arte, que a transmitiram a outras pessoas.
Ela chamou o projeto de "O Colchão Inflável", mas, na décima semana, seu colchão havia desinflado, uma baixa nessa combinação de "surfe de sofá", estética relacional e performance artística. Mas Robinson não desanimou.
Robinson sabe que os melhores hóspedes combinam talento para conversa com uma bossa para flexibilidade doméstica e extrema discrição. Para Simone Leigh (primeira semana, pasta de dente Trader Joe de hortelã), uma escultora, ela ajudou a artista em seu ateliê. Para Bettina Goolsby (terceira semana, Colgate Triple Action), uma atriz, Robinson serviu de agenda pessoal e desobstruiu o espaço. Para Legacy Russell (quinta semana, Colgate Whitening), curadora e diretora do ateliê da Bruce High Quality Foundation, o coletivo de artes brincalhão que gosta de zombar do mundo artístico, ela lavou pratos. "No início, eu pensei que ela estivesse surfando sofás", disse Russell. "Os artistas estão sempre em transição." Russell divide seu apartamento de dois quartos com sua namorada, uma advogada.
Para explicar a excursão de Robinson por Nova York, Russell coloca seu chapéu de curadora: "Ela está assumindo uma forma social -o surfe de sofá- que faz parte do tecido material da vida moderna e, depois, a coloca na esfera pública. Qual é a sensação? Para ser honesta, foi como ter uma amiga íntima ficando em casa. Além disso, ela foi organizada. Senti sua falta quando ela partiu."
Robinson, que já trabalhou como estilista de moda e fabricante de moldes, disse que sua performance começou a penetrar em seu trabalho quando ela começou a brincar, por exemplo, com trechos extraídos de romances baratos que ela comprou na Rua 125.
"Eu gosto do fato de ela envolver outros artistas em seus projetos", disse Rashida Bumbray, curadora associada da Kitchen, que visitou Robinson durante sua semana no apartamento de Leigh. "Também me lembra as práticas prolongadas que costumavam acontecer nas décadas de 1970, 80 e 90."
Russell descreveu o projeto de Robinson como um "retrato voyeurista de sete dias na vida dos outros". No início de abril, Robinson soube que foi aceita no programa de mestrado em escultura da Universidade Yale. Ela está procurando um lugar para ficar.

Um café por uma confidência - um olhar de fora

02.04.2011, 8h21 - 9h01
Terminal Rodoviário Barra Funda



O enunciando era claro. Um intérprete oferece um café por uma confidência e o outro observa.

E os dois formam um só corpo da experiência, o lado que é visto e o outro que observa.

Esse relato apresenta algumas observações da intérprete Dinah, sobre o que foi visto na ação da intérprete Priscilla:

O corpo do intérprete que espera que alguém se aproxime está em prontidão que algo vai acontecer, diferente do corpo cotidiano em geral das pessoas que transitam pelo espaço, aparentemente sem expectativa.

A resposta ao chamado "Um Café por Uma Confidência" parece reverberar de forma diferente de acordo com a classe social aparente. As pessoas de classe média, aparentemente mais cultas, apesar da curiosidade, não se aproximam, pois o muro da "inteligência" não permite.

As pessoas mais simples chegam mais fácil, respondendo ao impulso da curiosidade na ação.

Mesmo com essas duas formas de aproximação e repulsa observadas, o que levou ao encontro foi o ACASO.

No encontro, há uma diferença na qualidade das presenças. A pessoa que está em seu cotidiano, parece habitar apenas um mundo, o presente, com a qualidade que pode. Enquanto o intérprete, parece estar em dois mundos - na ação e no objetivo da ação. Isto é, parece que o intérprete se coloca algumas questões no ato da ação, tais como: "tenho que registrar tudo depois"; "sou eu e sou o performer, escuto como um ser e como um artista"...

O corpo do intérprete em "relaxamento" dá sinais incríveis. Sem perceber, Priscilla limpa o nariz; sorri como se escondesse algo pra quem passa; suas pernas ficam no formato de um arco; o timo, seu osso esterno, fica o tempo todo em direção ao intérprete que cuida (Dinah) e a intenção das outras partes do seu corpo para a pessoa cotidiana com quem se relaciona.

As pessoas que observam a ação, mas não chegam perto, não querem se comprometer, acabam compondo a cena. Assim como eu, que observo de longe, devo compor esse campo de energia que foi se formando aos poucos, mas não percebo. É possível estar de fora???

No encontro com a senhora e seu marido acontece um momento de silêncio, que parece revelar uma intimidade que se constrói.

ONÇA ATROPELADA VOLTA À MATA - manchete de um jornal que passa pelo meu olhar e me captura a atenção.

Tive necessidade de começar o meu registro no decorrer da ação e várias questões começaram a me assaltar: seria possível fazer a mesma ação sem falar? Tivemos dificuldade em achar um lugar, será que o enunciado deveria ser mais claro? Ou contaram com o bom senso dos intérpretes? E se a placa fosse maior? E se a Priscilla estivesse vestida de forma chamativa? Optamos por parecer cotidianas e ter uma placa sutil, em meio ao caos visual de São Paulo - podemos repetir esta ação de várias outras maneiras...

O tempo da ação é um tempo dilatado e ao sair do espaço, deixamos um rastro de curiosidade e encantamento no ar.


terça-feira, 19 de abril de 2011

man on the street answers 3 questions for Elizabeth LeCompte

man on the street answers 3 questions for Elizabeth LeCompte

O Wooster Group de Nova York, também vai às ruas, com três perguntas: "A arte pode ser ensinada?" "Para onde a arte está indo?/ "Pão feito com as mãos ou máquina de pão?"

terça-feira, 5 de abril de 2011

Obra: pingo preto sobre folha branca escrita

A garrafa Alladin é negra, com trava, dosadora. E cabe bastante café. A única questão que a torna imperfeita no mundo das utilidades domésticas é sua insistência em deixar mais uma gota descer depois da dosagem em cada copo, xícara, depois de cada desejo humano já realizado. As gotas escorrem pelas laterais da garrafa térmica, causando um efeito de brilho e ofuscamento nos caminhos escorridos de café.


Uma folha branca sulfite escrito “Um café por uma confidência”, sem ponto, sobre papelão Kraft. O convite começa na passarela subindo para o terminal Barra Funda, e esta placa se apresenta a quem cruza com ela como algo inusitado. Mas nem nós que seguramos a placa e nem quem a vê diminui o ritmo da caminhada.


Chão de borracha, banco de concreto, entre as escadas de plataformas de trem e de ônibus, a placa permanece empunhada com delicadeza e dignidade por alguém sentado. Aquilo que era uma impressão do ritmo sem freio continua: as pessoas passam, algo mexe dentro delas, mas apenas dentro: o corpo continua na pressa. O movimento aos olhos de quem observa identifica três pontos: um primeiro, de encontro com inusitado recado; um segundo, de reafirmar a mente se é aquilo mesmo que teve a impressão de ver e está vendo; um terceiro, já ultrapassado o perímetro que seus olhos alcançam, forçando o tronco torcer para trás: ver se era mesmo verdade tudo aquilo.


Uma senhora, já de idade, almoça sentada ao lado. Olha mas não age. A paciência dela é maior que a nossa. A curiosidade dela não ultrapassava limites ao ponto de perguntar ou se relacionar. E ela ficou por lá até depois de irmos embora. Mas o nosso relato ainda não acabou: voltemos por instantes à antes.


Quem pára, ao fim do tempo, é quem não tem nada mais a fazer senão esperar. É alguém que precisa ocupar o tempo enquanto alguém está numa fila: a fila do caixa eletrônico Santander. Uma moça espera a amiga retirar dinheiro, e enquanto isso conversa e toma o café. Unhas. A menina criança espera o rapaz sacar o dinheiro, e então pede ao pai para pedir o café. Um x é desenhado no ar. A conversa acontece. Confissões agem no espaço tempo do terminal Barra Funda. Um senhor, que passou na medida de álcool que a paciência de seu sangue que corre em suas veias suporta, se aproxima, mas nada além de algumas palavras trocadas, olhos serrados.



Fim de papo, fim de turno. A placa com as palavras volta empenhada até a saída com a mesma dignidade da chegada. Ao fim, oferecemos um café ao guardador de carros, que recusa, preferindo suco.


O registro concreto, que hoje ainda permanece sem dúvida de existência, é o pingo manchado por sobre as letras. Um pequeno pingo, de uma garrafa que costuma manchar bastante. Duas vezes a garrafa foi pressionada para deixar o líquido sair, duas intensas e rápidas vezes. Mas só uma gota permaneceu para servir aos olhares desejosos de ação de que realmente aquela garrafa foi aberta.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Um café por uma confidência




Sábado, 02 de abril de 2011 na cidade de São Paulo.

Às 8:10 da manhã a rodoviária da Barra Funda já está cheia de gente. Pessoas com malas, apressadas, crianças no colo, risos. É sábado. Dia internacional da alegria, quando todos invariavelmente parecem pensar "ah, se todos os outros dias fossem sábados". O sol brilha lá fora.

Chego um pouco atrasada e encontro com Dinah, companheira de outros trabalhos que reencontro nesta aventura. Esses presentes que a vida dá. Me preocupo com a garrafa de café na bolsa, que podia vazar. Estou apreensiva. Com medo mesmo do que essa manhã vai ser. Procuramos lugares. Lugares em que as pessoas esperam. A primeira sensação é deste lugar de passagem, lugar "entre" destinos. Como habitar o hiato, a lacuna, o meio? Como estar em um lugar em que parece que as pessoas não estão?

Depois de hesitar, escolhemos onde ficar. Há diversas cadeiras, muitas pessoas esperando. Colocamos os copos de plástico e a garrafa em uma mesa de concreto ao lado da cadeira em que me sento; abrimos nossa folha de sulfite escrito em times new roman 60, letras maiúsculas, "um café por uma confidência".

Nos primeiros cinco minutos me sinto tensa e desconfortável. Até que entendi que a questão naquele momento era estar presente. Habitar. Estar ali disponível. Dinah a alguns metros de distância me oferece com seu olhar a confiança, sua presença.

Muitos não me veem. Muitos me veem e fingem que não veem. Muitos dão voltas para me olhar de novo, ou talvez, ler a pequena placa. Alguns mostram leve indignação. O moço a três cadeiras de distância que comia um sanduíche, parecia indiferente. Procuro olhares, por vezes sorrio. Entendo que o nosso ato de coragem, exigia também deles uma tentativa de arriscar. O meu medo era o medo de todos. Temos medo dos encontros. Parece que temos muito medo de viver.

Nos primeiros vinte minutos (eu acho), as únicas palavras que surgem de um moço que passava ali apressado pela segunda vez : "Troco o café por seu telefone".

Procuro estar. Tomo eu mesma um café. E me confidencio que talvez não consiga nenhum depoimento.

Uma senhora bem vestida passa com seu marido procurando onde se sentar. Ele indica uma cadeira ao meu lado, ela diz não (claramente por minha presença ali) e eles seguem. Momentos depois voltam por não encontrarem nenhuma outra cadeira disponível. Sinto que estão curiosos. Mas quero ser rigorosa, não digo nada.

Uma senhora atrás de mim, também se vira constantemente.

Certeza de que algo, naquele lugar, estava acontecendo.

Eis que chega uma senhora, perguntando se seu vestido estava sujo, havia sentado em outra cadeira, não percebeu que estava molhada, talvez fosse mijo, sentou-se ao meu lado.

Eu não consegui não dizer nada. Abandonei o rigor. E disse a ela que trocava um café por uma confidência.

Confidência? Achei que ela não tinha entendido a palavra. Mas recusou o café e me disse que acabara de tomar "um suco de frutas". Eu disse que trocava o café por um segredo, uma história...

Ela pensa. Me diz que tem 74 anos e que viveu muito. Me diz que é de Itaberaba, você conhece? E me diz que vai me contar uma história de sua infância.

Ela tinha seis anos e o irmão quatro. Ela gostava muito dele. A mãe era muito branca e o menino havia puxado a ela, com os cabelos encaracolados. Ela via a mãe chorando porque não tinha nada para dar de comer a eles e pensava "o que eu posso fazer?". Pegava o menino e iam para as roças vizinhas (havia três) procurar o que comer. Pegavam milho, amendoim, feijão. A mãe socava o milho no pilão e fazia quirela. Um dia o menino ficou aguado porque viu uma mulher comendo paio com torresmo. Dias depois quando foi pro médico o coração já estava muito inchado. Não tinha o que fazer.

Ela me conta que gosta da cidade. Que tem três filhos. Que está indo para Ilha Comprida. Gosta de lá, vai a praia, passeia.

O marido chega. Tem 80 anos (mas não parece; tem uma postura elegante, veste chapéu). Ele me conta que teve 23 irmãos. Muitos morreram. Ela diz: Antigamente era assim, tinham muitos filhos.

Ela diz a ele que troco um café por uma história.

Ele diz que não quer café.

Ela vai ao banheiro.

Ele me diz que estão indo para a Ilha, um lugar bom, mas que chega lá e a mulher não sai de casa; não vai a praia, não caminha, às vezes vai ao mercadinho que é bem do lado. Reclama que os filhos não vão.

Me conta que uma vez ali mesmo na rodoviária, ele, a mulher e a filha Deise estavam esperando o ônibus para Ilha Comprida, quando começaram a conversar com uma moça (que tinha uma criança), assim, parecida comigo. Conversaram bastante, a moça comprou uma passagem para Ilha Comprida, foram no mesmo ônibus. Quando chegaram, perguntaram à filha onde a moça ia ficar e ela respondeu "lá em casa". A moça com a criança ficou 22 dias.

Fiquei completamente entregue às histórias desse casal. O rigor foi embora.

Percebi que geramos um movimento ali... Sentia vários ouvidos em torno de nós.

Passava um pouco das nove, eu então me despedi com um aperto de mãos. Ele me pergunta se não vou viajar.

Eu disse que não.

Não perguntei os nomes deles. Me senti um pouco estranha. Como se tivera recebido muito e dado nada.

Mas saí revigorada, como se tivesse feito um aquecimento de muitas horas.

Acho que a presença, às vezes, é só decisão.