segunda-feira, 30 de maio de 2011

Vislumbres do futuro


Texto escrito por Francisco Medeiros

O caminho das Narrativas Urbanas na Terra sem Lei tem sido marcado por experiências sempre intensas, perturbadoras, estimulantes....
Desde os primeiros encontros com a Cia.Senhas de Curitiba que nós, dos Argonautas, tivemos certeza da vontade de cruzar caminhos, trocar experiências.
Depois de alguns namoros vamos devagarinho tentando radicalizar a troca.
Difícil, sobretudo pelas dificuldades de administrar agendas, compromissos, sonhos.
Mas a gente não se deixa abater pelas dificuldades as vezes canhestras, mas difíceis....
Nem nós daqui, nem eles de lá.
Estamos agora num momento delicado...
Depois de inventar intervenções, coletar depoimentos, reações, imagens nas ruas, em elevadores, em diferentes espaços públicos, em redes sociais, enfim, de ouvir, ver e narrar reciprocamente acontecimentos, é chegada a hora de confrontar-se com o material.
Ver que suco tiramos destas polpas.
Derreter o material que parece rígido, fertilizar os campos, deixar ecoar......
Como disse Lucienne, é hora da Dramaturgia lançar-se na organização e frutificação do material.
É hora da Direção também lançar-se, arriscando sensações, vislumbrando imagens na neblina....
Lendo, relendo comentários e documentos postados pelos interpretes, nasce a vontade de explorar a potencia do material em diferentes espaços, linguagens, estilos e perspectivas de visão.
Nada claro, mas suficientemente difuso para ser entrevisto:

Drama, comedia, melodrama, farsa, tragédia.

Com palavras, sem palavras,

Para um espectador de cada vez, para poucos, para muitos, para a cidade.

Diálogos, narrativas, silêncios que falam.

Ocupações variadas de espaços diversos.

Presença viva do intérprete, presença viva da voz sem corpo, do corpo sem voz

Espaços internos, e espaços externos, a rua, o palco, o canto, o espaço inusitado, inesperado.

Enfim, lugares onde nascem ( ou morrem ) CONFIDENCIAS, CONFIANÇAS, DESEJOS ( vivos ou mortos).

Lucienne já se lançou; e, assim que aparecerem os primeiros rebentos, voarão para as mãos, os corpos e os corações dos intérpretes convidados.

Só aí é que vamos começar a ver as possibilidades......

Francisco Medeiros

TUDO PODE SE TORNAR MELHOR


Este texto serve para atualizar o nosso trabalho para quem visita e segue este blog. Agora, final de maio, estamos numa etapa muito especial. Eu chamaria de recolhimento, ao menos para mim, Lucienne, que cuido entre outras coisas da dramaturgia de “Narrativas Urbanas na Terra Sem Lei”.
Nós, o Núcleo Argonautas, fizemos um encontro com a nossa parceira de Rumos Itaú, a CiaSenhas, de Curitiba, pra que o trabalho desse um início, presencial. Juntos, em Curitiba, afinamos nossos interesses comuns, aqueles que já se apontavam no projeto inicial. Estivemos juntos por cinco dias inteiros, numa rotina de trabalho de nossos sonhos, dedicados, produtivos e interessados, em companhia de outras pessoas que tem o mesmo interesse. Isso é sonho, não? O treinamento que fizemos, utilizando a técnica de Anne Bogart, Viewpoints, ajudou sobremaneira para que os interesses e intenções iniciais encontrassem um território enfim comum aos dois grupos.
Esse território vislumbrou o encontro com o público na rua, com o público que passa; vislumbrou também desenvolver a atitude performativa do intérprete; vislumbrou ações possíveis fora da sala de trabalho, nas ruas da cidade, que pudessem gerar material/documento para que uma dramaturgia se desenvolvesse.
Terminados esses dias de sonho, voltamos a São Paulo, nós do Núcleo Argonautas. E esta cidade de novo nos engoliu. Assusta-nos com seu tamanho, com sua ausência de identidade possível, com a maneira de nos devolver a uma escala quase insignificante, nós, que fazemos teatro.
Mas é isso que temos, e é com isso que teremos que nos encontrar. Porque nós queremos isso: único motivo válido. Queremos. Queremos ver o que fazemos diante da cidade. Queremos ver as diferenças e semelhanças com Curitiba, através de nossos parceiros muito bem escolhidos.
Então: agora é a hora de recolher todo o material levantado nas três ações já realizadas. Nosso tema de interesse está presente: DESEJO, CONFIANÇA E CONFIDÊNCIA.
Da primeira ação, temos uma grande coleção de respostas que vieram da nossa provocação/enigma lançada na internet: VOCÊ GOSTARIA DE ESTAR ONDE ESTÁ? São muitas respostas as respostas que apareceram pelo desejo “cutucado”. Valem o conteúdo e a forma, valem o excesso e a escassez de todo esse mundo de contato estabelecido, com gente até mesmo desconhecida e anônima.
Da segunda ação, temos umas poucas respostas, dessa vez coletadas pessoalmente, colhidas por nós que fomos ao encontro das pessoas na cidade, pessoas que puderam ter a possibilidade da confiança posta à prova, de confiar num outro, desconhecido. Dessa vez valia também o relato e o relator. E dessa vez não valia relato escrito por quem viveu: o relato era feito a outro companheiro que, este sim, escreveu. A pergunta motivo para o encontro foi: A CONFIANÇA É A ÚLTIMA QUE MORRE?
Da terceira ação temos muitas coisas. Nos dispomos ao encontro. Estivemos à disposição. Desta vez, Núcleo Argonautas criou um programa de ação para que CiaSenhas realizasse, e vice-versa. E então nós fomos ao terminal rodoviário para estar à disposição, para receber uma confidencia em troca de uma xícara de café. Uma placa estava perto do corpo, que estava perto da garrafa de café: UM CAFÉ POR UMA CONFIDÊNCIA. E dessa ação saem relatos, experiências, encontros, desencontros, medos desfeitos: tudo é material para a nossa dramaturgia.
O que faço eu a partir desse material? Como devolvo todos os relatos, como organizo isto e devolvo como provocação e estímulo para os atores, para o diretor, para a CiaSenhas? O que é possível vislumbrar agora? Para além da dramaturgia em si, do texto escrito, é possível vislumbrar possibilidades de “cenas” diferenciadas? É possível vislumbrar, seja forma ou conteúdo, uma relação potente da linguagem teatral com o espectador?
É nesse ponto que estamos.
Temos ainda três meses, que eu espero sejam tão interessantes quanto o que foi até agora. Eu espero também que o encontro com a CiaSenhas seja potente até o fim.

terça-feira, 3 de maio de 2011

a experiência do ator Plinio Soares, "um café por uma confidência"



"Hoje, ao abrir os olhos, pensei: é o dia da tal consígnia, será que eu vou conseguir?!!?!? Um incômodo e uma ansiedade me acompanharam a manhã inteira, tinha no fundo de mim uma esperançazinha que o Marcio ligasse dizendo que não ia poder, adiar sei lá! - ao mesmo tempo que tinha isso, fazia tudo rápido pra chegar logo e ver o que ia acontecer.

Às 13h00 o Márcio chegou, aí eu pensei: agora não tem mais jeito, vamos nessa. Almoçamos juntos, combinamos que ele prepararia o cartaz no computer e eu faria o café.

Cartaz pronto e agora o café, que ficou muito bom, até precisar colocar mais açúcar. Lá fomos nós - o aperto em mim não diminuía, estacionamos o carro e eu fiquei com a placa na mão e o Márcio com o café na sacola. Fomos até a estação Barra Funda - as meninas - Priscila e Dinah, as outras atrizes - já tinham ido lá pela manhã, achamos que não teria problema da gente ir à tarde, dado o volume de gente que passa por lá, embora seja menor que o Terminal Tietê.

Eu fui subindo a rampa com a placa à mostra, encarando as pessoas, percebendo reações, e junto disso fui ligando um "foda-se, já to aqui e não aconteceu nada", vai rolar!!! Era um descompromisso tal que se ainda havia tensão agora era mais ansiedade de poder contribuir da melhor maneira possível. Sim, isso começou às 15h30 (pensei comigo: mais 40 minutos e acabou; acho que isso foi me relaxando).

Procuramos um lugar com maior fluxo de gente e eu sentei com a placa - o Márcio perguntou se eu queria ficar, eu respondi: "já tô!"

O primeiro lugar não era tão bom, o Márcio foi até outro corredor e disse que era melhor e fomos prá lá.

Que louca é nossa cidade! As pessoas voam, não existe espaço dentro delas pra respirar. As pessoas liam a placa, às vezes com incredulidade, às vezes era só uma placa na paisagem, sem importância. Poucas ao lerem reprovavam a atitude. Uns liam, andavam, olhavam pra trás...; se por acaso meu olhar cruzava era imediatamente retomado o caminho. Esses olhares ficaram muito marcados em mim, que ao mesmo tempo os via sumir e mantinha meu imã pra ver se voltavam - isso não rolou! E o Márcio de longe, dando a infra, me fazendo confiante no que eu tava fazendo. Comecei a fazer uma energização em mim pra ver se eu magnetizava alguém, sem sucesso. Pô! Ninguém... Era como se fosse uma paquera: eu olhava fundo e acompanhava as pessoas pra ver se vinham falar comigo.

Passava meia hora e nada. Foi quando sugiram duas moças. Uma delas parou, "iluminada", "pra fora", com esmaltes azuis cintilantes, e veio perguntar o que que era. Eu falei que era um trabalho de pesquisa. "Eu tenho que fazer uma confidência pra tomar um café?", ela perguntou, e eu respondi: se você quiser. Servi o café, e ela: "se eu tiver que contar confidência vou ficar aqui conversando muito... " E eu: "você que sabe..."

Silêncio dela, enquanto tomava o café... "Eu tô super apaixonada e vou fazer macumba pra ficar com ele... " E eu: "que legal!"E ela, indignada: "legal? ... Nem a minha amiga sabe disso (a outra que estava vindo com ela sumiu), eu já ficquei com ele, foi o meu primeiro, mas ele é casado..."

Nisso chega uma criança e diz que quer tomar café. O pai, imediatamente: não! Mas a garota insistiu, o pai "ta bom!", eu servi. O pai cuida de filha: "tá quente... eu tenho que fazer um confidência? E eu: "se você quiser". "Mas eu não tenho nada pra dizer..." (A moça das unhas azuis sumiu, não a vi indo embora) O pai fala pra menina: "fala o que aconteceu ontem, aquilo que você contou pra mim". A menina coxixou no ouvido dele e falou algo pra mim que eu não entendi. O pai: "fala pra ele o que aconteceu ontem". E ela: "foi meu aniversário..." E eu: "parabéns!, quantos anos?" E ela mostra nos dedos: 4! O pai: "diz o que você aprendeu ontem". Ela, então, faz dois riscos no ar e diz "X". E eu: "olha só, você sabe escrever!". O pai: "fala como é seu nome". E ela fez um L na parede e disse que era Lívia. E eu: "que nome lindo!". O pai, com a camiseta do São Paulo, agradeceu, me cumprimentou e foram embora.

Em seguida o Márcio chegou até mim e disse que já tinha passado a hora do programa, os quarenta minutos. Foi tão rápido que eu nem percebi... e aí, voltamos andando no meio da multidão com a placa. Eu falei: "Márcio, fotografa!!!"E eu andando pé ante pé e me virando pras pessoas lerem. Mas ninguém parou, embora dessa vez as pessoas mais acintosamente liam a placa, andavam um pouco, conferiam o que estava escrito e iam embora. Chegamos ao carro; tinha um homeless tomando conta. E eu falei pro Márcio: "dá café pra ele! Quer tomar um café? Mas eu vou também te dar um trocado, não quer um café?" E ele, o homeless, disse: "Não, obrigado; acabei de tomar um suco, só tô tomando gelado". Entramos no carro e voltamos pra casa.

COMO O PAULISTA É ENCASTELADO!!! Sérá que em Curitiba seria diferente? As pessoas teriam mais disponibilidade pra falar? Essas questões calaram fundo em nossas cabeças."

escrito e relatado por Plinio Soares